O LUGAR DA MULHER É ONDE ELA QUISER (?)
O
slogan, “o lugar da mulher é onde ela quiser” tem sido nos últimos tempos a
frase mais expressiva do movimento feminista e de seus simpatizantes.
Uma
das críticas que se tem levantado contra o feminismo é que este se tornou numa
coisa meio que burguesa, isto é, os ideais que ele tem defendido representam
muito pouco da luta que o proto-feminismo do final do século XX buscou. Uma das
mais críticas da forma atual do feminismo é a feminista Camila Paglia, ela é,
por assim dizer, uma clássica, pois ela esteve presente e foi uma das percursoras
do feminismo nos EUA. Como Paglia, muitos outros têm levantado fortes críticas à
forma atual do feminismo, para tais críticos, a fixação na carreira, a busca incessante
para desmerecer os homens, a metamorfose em filosofia vingativa que torna, nas
palavras de Milo Yannopoulos, o homem um lixo, tornou o feminismo coisa de
mulheres burguesas, ou de classe média-alta.
E
a frase “o lugar da mulher é onde ela quiser” parece dar razão para que tais
críticas encontrem lugar. Pois, para quem tem os olhos fincados na realidade,
sabe que tanto para o homem quanto para a mulher, o seu lugar não é onde eles
quiserem, é, pelo contrário, onde eles tiverem condições, capacidade,
competência para estar. A ideia de que a mulher deve estar onde ela quiser, é
realidade de quem tem poder, de quem tem condições econômicas para locomoções
movidas à seu bel prazer, é realidade de certa classe média-alta. Uma mulher
que mora na periferia sabe que esta frase não a representa, ela sabe que não
pode fazer o curso que quer (pois querer não é poder), não pode conseguir o
emprego que quer (pois não basta querer para conseguir), enfim, na vida da
maior parte das mulheres (inclusive feministas) esta frase não reflete a
realidade.
Apesar
de entender o que muitas mulheres querem dizer com esta frase, mas a forma como
é empregada não me parece correta. A frase talvez devia ser “o lugar da mulher
é onde ela poder estar”, aí sim, a busca por igualdade (caraterística do proto-feminismo)
estaria impregnada e em relação objetiva com a realidade. Pois numa sociedade
onde a meritocracia impera, o querer vem em segundo lugar.
Então,
sim! “O lugar da mulher é onde ela poder estar”.
Interessante o trocadilho do quiser pelo poder. Que na verdade problematiza - a partir da realidade - as capacidades de cada ser em contraste com seus anseios - ou modas comportamentais, numa linguagem Pondetiana! Excelente....!!!!
ResponderExcluirVixi, nem saberia por onde começar. Eu entendo seu ponto de vista Miguel, mas discordo com você no que concerne ao conceito de vontade. A vontade humana é seu motor mais primordial para a realização de ações. De nada adianta as oportunidades surgirem se você não "quiser" aceitá-las. Não vejo nossa sociedade como tão meritocrática assim e, tampouco, vejo na meritocracia uma justificativa para afirmar que o "poder" está acima do "querer".
ResponderExcluirDa mesma maneira, não vejo o feminismo como algo de mulher burguesa (até porque este é um termo advindo da filosofia marxista que, na realidade, significa "o indivíduo que detém os meios de produção", o que nos leva à pergunta: quem afinal, nos dias atuais, detém os meios de produção? Nos tornamos todos proletários, o que torna a aplicação do termo "burguesia" um coisa meio non-sense). Entendo que esta seja uma crítica recorrente, porém, é uma crítica que desvaloriza o caráter e força do movimento. Devemos confiar que os movimentos sociais tem seu potencial de transformação, o que é algo bom, ainda que a transformação não venha sempre para o bom. A própria quebra e mudança de paradigmas deve ser, por si só, valorizada pois implica em um esforço humano para fazer e pensar diferente. Chega a ser algo até bonito!
No entanto, o "querer" implica, por si só, o "poder". Se eu quero alcançar determinado objetivo, organizo todas as ferramentas para chegar até ele. A vida não é e nem "pode" ser tão determinista assim (como se as coisas viessem ao nosso alcance e mesmo que quiséssemos fazer diferente, isso não bastaria). A sua própria história de vida comprova que o "querer" pode levar ao "poder", e você mesmo pode avaliar que isso depende das atitudes e decisões que tomamos ao longo de nossa vida. Ou seja, a discussão acerca da frase "o lugar da mulher é onde ela quiser" vai além de uma simples discussão acerca da relação entre "querer" e "poder", mas alcança horizontes históricos, em que, por conta de uma repressão social (que não é apenas masculina, mas feminina também), as mulheres sequer podiam "querer". Agora, não só "podemos querer" como "queremos poder".
Mas é boa a discussão!
Abraços, Elissa Gabriela
Olá Elissa!
ExcluirPrimeiramente é um prazer enorme receber seus comentários por aqui, alegro-me bastante. Eu compreendi seus pontos de crítica, mas permita-me comentá-los na ordem que acho que seguem:
1- no que concerne à vontade enquanto motor do agir humano, estou de total acordo contigo. O ponto do texto não é criticar a vontade "em si" (permita-me o uso da categoria Kantiana), mas o entendimento, que me parece recorrente em falas de ativistas feministas, de que o fato de que desejar já se configura em si mesmo como condição sinen qua non para assumir quaisquer posições. A vontade, repito de forma a concordar com você, é motor, porém, aproveitando a metáfora, ele por si só não faz o veículo andar, precisa haver rodas, motoristas e outra série de acessórios.
2- o feminismo não é algo de mulher burguesa, não na gênese. Mas a maneira como se afigura atualmente, digo isso em vista de algumas pautas afirmativas, como foco excessivo na carreira, uma certa desvalorização do masculino, a ideia de que o lugar da mulher é onde ela quiser e tutti quanti, representa, em muito, formas de intentos que não têm relação direta com a vida de mulheres de baixa renda, por exemplo. O uso do termo burguês não assume a compreensão dualista dada por Marx, usa-se a expressão como sinônimo de, na linguagem comum, "patricinhas". Pois, como o texto faz transparecer, pelo menos foi o que quis mostrar, quem acha que pode ter o que quer porque quer, e tão somente por isso, só pode ser alguém que já tenha o suficiente, pois quem não tem sabe que o fato de não implica que...
3- a minha crítica aqui tem o fim em si mesma, quer dizer, faço a crítica pela crítica. Interessou-me, no texto, apresentar esta incongruência neste discurso particular do feminismo. E se o movimento se guia por ideias passíveis de crítica, então é normal que o movimento perca força e se desintegre, mas também pode ser que pelas críticas ele se reinvente. O trocadilho de poder e querer são entendidos na esfera do homo faber, no lugar onde a técnica é requerida, não sei se me fiz entender.
Forte abraço Elissa.