O CONCEITO DE RELIGIÃO EM RUBEM ALVES
Rubem
Alves, doutor em filosofia pelo Princeton Theological Seminary, é sem dúvidas
um dos teólogos mais importantes que o Brasil já produziu no século passado.
Foi, talvez, o teólogo evangélico mais importante e sem dúvida o mais original.
Ele foi um dos precursores da teologia da libertação na América Latina. Na sua
tese de doutorado encontram-se, ao mesmo tempo, as bases “epistemológicas” que
vieram a conduzir o pensamento da teologia da libertação, mas também é neste
mesmo trabalho onde lança bases de novas abordagens teológicas, como a necessidade da valorização da imaginação e do corpo no labor teológico, que o irão separar
paulatinamente dos teólogos da libertação.
A
obra em análise é também um dos livros mais importantes do autor, nele busca-se
compreender o que é a religião tendo por base a compreensão dos grandes pensadores, filósofos e sociólogos, modernos que abordaram a questão, autores estes que
exerceram grande influência no seu pensamento. No presente trabalho o foco será
dirigido às compreensões da religião presentes no livro, portanto, os
argumentos secundários não serão aqui mencionados. Antes de começar-se a
apresentar as definições sobre a religião, é importante pontuar que as
compreensões que o livro apresenta são todas baseadas em formulações de
pensadores modernos, mais exatamente pensadores do século XIX.
Dentre
as várias definições do que seja a religião abordada no livro, a primeira a
entende como “uma teia de símbolos, redes de desejos, confissão da espera,
horizonte dos horizontes, a mais fantástica e pretensiosa tentativa de
transubstanciar a natureza”. A religião é tida então como uma busca de
transcender as instâncias da realidade material, ela tem, portanto, no além
mundo o seu fundamento principal. Esta transcendência da natureza se dá em
muito pela imaginação, a religião é uma fonte de imaginação, de criações
fantásticas, de amores, etc.; outra compreensão da religião tem aportes na percepção
de Durkheim sobre o assunto, que diz que toda religião se estrutura a partir da
distinção entre sagrado e profano. Ao fiel pouco importa a veracidade ou não
das ideias, mas sim a força, força esta que se configura como a essência da
religião. Esta força oriunda do sagrado gera coesão e harmonia social, não
importando o quão diferente as pessoas sejam, a religião tem este poder
agregador, que, para Durkheim, é também sua essência. E ele vai mais longe quando diz
que não há sociedade alguma que não tenha religião, e, que por ser verdade, a
compreensão de todo e qualquer funcionamento social deve passar, inexoravelmente, também pela
compreensão da religião, pois ela é um fato social por excelência; o terceiro
entendimento da religião tem por base Freud e Feuerbarch. Para ambos a religião é tida como um sonho, como manifestação dos anseios do homem. Este é o ponto de concórdia
entre os dois autores, porém os desdobramentos posteriores são de todo contrastantes,
pois para o primeiro estes sonhos e anseios representam desejos reprimidos pelo
meio, que pode ser social, religioso, familiar, etc. que, sendo impossíveis de
se realizarem, acabam por se transformar em ilusões, neuroses. Portanto, para
ele, religião é a alimentação de ilusões, é, por conseguinte, estar doente da mente, é
patologia. Já para o segundo, estes
sonhos e anseios são auto reveladores, pois revelam os desejos mais profundos
do ser humano. Neste sentido, a religião se torna uma projeção em uma entidade
externa dos nossos anseios e desejos que, por hora, são irrealizáveis.
Religião, para ele, deixa de ser teologia e passa a ser antropologia, pois não são os
intentos da divindade que formam o homem, mas o contrário, a divindade é a
imagem e semelhança dos desejos deste; a quarta definição é a de que a
religião é ópio do povo. Ela tem suporte na compreensão de Marx, ele acreditava
que a religião tem um duplo caráter, o de revelar a condição da alma oprimida,
e, simultaneamente, de tentar “fazer de contas” que esta realidade inexiste, e é neste
“faz de contas” que Marx vê a religião como ópio. Porque ela se mostra como uma
tentativa de fugir da realidade, transcendendo-a. Mas a religião não era a
causa dos males sociais, pelo contrário, para ele ela era consequência dos
males sociais, dado que uma vez superada a condição de desigualdade pela ditadura do
proletariado, a religião automaticamente desapareceria.
A
religião não é só apresentada como ópio, como projeção, como neurose, ela é
tida também como a representante e a voz dos que sofrem. Ela, nalguns momentos
históricos foi pró revolução, pois levantou fortes críticas contra as forças
sociais opressoras. O exemplo dos profetas hebreus é apresentado como prova de que a religião, pelo menos nestes momentos, não era ópio, ilusão, projeção,
mas defensora da vida, dos pobres, dos oprimidos. Rubem Alves não tem uma
compreensão original do que seja a religião, estes autores, todos eles, cada um
a seu modo, exerceram influências no seu entendimento sobre o assunto. Junto com
Troeltsch, outro autor que muito influenciou seu pensamento, conclui que religião é um
manancial de esperança. Pois é a esperança que nos faz desejar o ausente, as
utopias também dela derivam, a possibilidade de transcender a realidade com
nossa imaginação emana dela. Os textos de Alves são sempre
recomendáveis, este livro apresenta-se como leitura obrigatória para quem se
interessa por estudos de religião, pois ele além de mostrar a percepção de
vários autores modernos e difíceis, oferece-nos também uma interpretação
dos mesmos que faz desejar aprofundar-se mais nos seus pensamentos.
Comentários
Postar um comentário